01/12/2019

Afinal.

"Sob sua luz parece nunca ter havido outro tempo senão este,
espiral estrema.
Tudo estremece:Dezembro soletro contra o muro do cimento fresco
Que me seque a língua quando não puder sentir a cigarra que zune entre os dentes
quando digo dezembro, dezembro repito e como noutros dezembros 
outros homens pediram a Tyrme, o matador de gigantes, a Kali, mãe divina, 
ao espírito de Ning-Ning.
Peço a dezembro: lembre-se de mim quando extinguir-se toda a juventude dos meus anos;
esteja presente quando nas despedidas restar apenas a dor à porta de casa;
quando a canção emudecer,empalidecer a luz e até um grão de lentilha for um peso
lembre-se  uma sílaba ao menos de mim; e quando eu morrer, caso haja quem chore por isso,
fique ao lado dele, como agora ao pé de mim, nos dias de lágrimas 
nos dias de faca e de destruição, no dia em que todas as árvores caírem
e a teia de correntes vier mais alta que meus golpes, 
recorda-se de quando bebemos juntos nas cidades e embriagados sonhamos,
sobre o asfalto a erva de estepe.
Acúmulo de números apressados que o vento embaralha
num calendário sem fim ou sentido, tudo deságua no presságio 
de que somos todos não mais que lembranças de dezembro,
uma espécie de semente,sim, que o tempo planta e colhe
e mói e torra e come.
Dezembros de dezembro, dezembro é, afinal, o nosso nome."

Canaã Ferraz