18/01/2012

POEMA DO MENINO JESUS FERNANDO PESSOA (ALBERTO CAEIRO)

Num meio-dia de fim de Primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.
Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o Sol
E desceu no primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.
 A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as coisas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
 E olha devagar para elas.
 Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural.
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.
 E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é por que ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre.
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.
 A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.
 A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direção do meu olhar é o seu dedo apontado.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.
 Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.
 Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra Fosse todo o universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.
 Depois eu conto-lhe histórias das coisas só dos homens
E ele sorri porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do Sol
A variar os montes e os vales
E a fazer doer aos olhos dos muros caiados.
 Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.
 Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.
Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.

 Alberto Caeiro 

7 comentários:

  1. Adorei o Poema, lhe desejo uma BOA SEMSNA

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  2. Esse poema de Pessoa diz muito para quem acredita na possibilidade de naascer e renascer sempre para o bem e o melhor... Uma linda meditação!
    Abraço, Célia.

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  3. Obrigada Marcos, uma boa semana pra você também.

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  4. Amo ler Fernando Pessoa e sempre que posso posto aqui.
    Abraços amiga!

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  5. Quando li pela primeira vez este poema eu fiquei parado imaginando como ele escreveu... é lindo demais.
    Um beijo grande

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  6. Paulo, é mesmo lindo demais, eu acredito que os heterônimos que assinavam eram "espíritos que psicografavam", nesse quem assinou foi Alberto Caeiro, mas como em estudos disseram que Pessoa usava muitíssimos nomes e que heterônimos significa usar nomes de pessoas vivas?!
    Ainda estudam isso sem explicação convincente!
    Mas como eu escrevi em um post que o que importa é a mensagem, portanto vamos indo desfrutando do prazer de poder ler essas "jóias literárias"!
    Abraços!

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  7. Esse poema eu o leio todos os dias, é de fazer chorar e nos lembrar que viver é mesmo pura magia da própria vida!
    Aqui nem está posto completo, tem muito mais e eu o tenho completo em uma das minhas páginas, (ao lado onde está escrito " o guardador de rebanhos VIII.)
    A minha vida tem sempre grande sentido por eu ter minhas ideias bem revolucionadas, mas que ainda nem posso escrever exatamente tudo o que vai em "meu ser", pois percebo muitas coisas que a mim mesma faz bem, mas nem sempre faz bem à todos!!!
    Adoro quando meus seguidores entendem isso, passam a fazer parte de mim!
    Por isso digo sempre, sejam sempre bem vindos!!!

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Ivone H Sato